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Desafios do RH em tempos pós-normais

Como a área de gestão de pessoas vai lidar com a complexidade gerada dentro do ambiente de trabalho diante do uso de novas tecnologias e comportamentos?

O professor e futurista Gil Giardelli gosta de dizer que já passamos da fase do mundo VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo). Para ele, vivemos em tempos pós-normais, em que as relações são definidas pela complexidade, caos e contradições. E ele acertou em cheio. A área de gestão de pessoas, que está na ponta do foguete da transformação digital, que o diga.

Se, de um lado, o RH precisa ficar atento às novas tendências tecnológicas, de outro, não pode deixar de cuidar do maior ativo das empresas, as pessoas. E em tempos de transformação digital, essa tarefa por si só já parece contraditória. 

As pessoas e a transformação digital

Para muitos, a 4ª Revolução Industrial, puxada pela digitalização dos processos, está extinguindo alguns postos de trabalho. No documentário de nome bem sugestivo, "O futuro do trabalho e da morte”, Vivek Wadhwa, empreendedor e acadêmico da Escola Carnegie Mellon, do Vale do Silício, destaca que caminhamos para uma era de tecnologia avançada, mas não de uma humanidade avançada.

“Vejo que milhões de trabalhadores ficarão sem ocupação”, completa. No mesmo vídeo, o professor da Universidade Warwick, do Reino Unido, Steve Fuller, afirma que esse quadro do desemprego não é nada positivo. Para ele, deve haver uma transição de uma forma de vida a outra para suavizar essa transformação. 

É exatamente nesse ponto nevrálgico que o RH deve atuar: precisa preparar as pessoas para essa nova revolução. Talvez as habilidades requeridas para o futuro não serão as mesmas de hoje em dia, afinal as profissões serão moldadas sob a nova ótica da Revolução 4.0.

Diplomas: fora das exigências 

Vejamos o anúncio de um levantamento nos EUA em que empresas como Google, Apple e IBM não exigiam mais diploma universitário de seu quadro de funcionários. O debate sobre o tema ganhou musculatura nas redes sociais.

Todavia, ao contrário de uma análise breve – e muito recorrente nessa era pós-moderna – essas empresas não estão dizendo que o diploma universitário deve ser jogado no lixo, mas talvez ele não seja mais a única forma de ingresso nas empresas. 

Na opinião de Hugo Dias, head de marketing da Propay, os mercados têm de absorver as melhores pessoas para integrarem seus quadros de funcionários. No entanto, as organizações sabem que elas devem refletir, em seus processos, as mudanças comportamentais, sociais e culturais do mundo.

“Assim, empresas como Google, Apple e IBM perceberam que condicionar o potencial produtivo dos seus novos profissionais a diplomas acadêmicos culmina num erro lógico. Atualmente, existem exemplos de profissionais que obtiveram grande sucesso profissional sem ter nenhum diploma universitário”, ressalta.

O executivo completa que o conhecimento não está mais restrito aos muros das universidades. “Existem diversas formas para adquirir conhecimento, pois, levando em conta a sociedade globalizada que vivemos, o acesso é facilitado à construção de trilhas de desenvolvimento totalmente customizadas às características individuais de cada profissional.” 

Para ele, o segredo é não condicionar capacidade e potencial de desenvolvimento a um diploma de ensino superior. Inclusive ambientes acadêmicos, que culturalmente são tachados de “universos fechados”, já estão de olho nessa tendência. 

gil-giardelliGiardelli conta que há alguns anos o MIT Media Lab escolheu como seu diretor Joi Ito. Ele não tinha um diploma universitário, mas possuía uma carreira brilhante em empresas globais, como Apple, e era apaixonado pelo ofício de ensinar.

“Ele tinha uma visão de negócios do futuro e uma visão acadêmica voltada para o século 21”, explica Giardelli. O futurista ressalta que conhece muitos jovens talentosos no Brasil com o perfil semelhante ao de Joi Ito, que abandonam a universidade para criar empresas da nova era.

“Eles não deixam de estudar, mas estão bebendo de outras fontes de conhecimento”, afirma. Na visão de Giardelli, o conceito de aula cronometrada e espaço concreto ficou no século passado. “São tempos de aprendizado rápido e durante toda a vida, mesmo que muitos de nós passaremos de 100 anos”, completa.

Complexidades do mundo pós-moderno 

São tantas informações, disrupções, mudanças e novas tecnológicas que, às vezes, fica difícil separar o joio do trigo. A mineração desses dados acaba sendo o primeiro passo dentro do planejamento da área de recursos humanos.

A boa notícia é que tecnologias não faltam para salvar o RH dessa massificação de informações. O problema é descobrir qual se enquadra no perfil de sua organização.

O mercado hoje não é mais fechado para poucas empresas de tecnologia, como nas décadas de 1980 e 1990. Há soluções para todos os tipos de gosto, com segmentação até por fit cultural. 

Hugo Dias, da Propay, diz que o grande desafio do RH é identificar e combinar as soluções mais adequadas para cada tipo de organização, visando sempre o aprimoramento dos resultados da companhia.

“Em muitos casos, antes de olhar para qualquer tecnologia, será fundamental analisar o contexto interno das organizações, assim como entender profundamente o funcionamento do mercado em que atua”, explica.

O executivo ressalta que essa receita também depende de um ponto fundamental para a evolução das empresas no futuro: a comunicação entre o RH e a área de TI. 

Solicitar uma ajudinha aos colegas de tecnologia em tempos de tantas mudanças é um bom caminho. Vale lembrar que além das gigantes e empresas médias da área de tecnologia, nos últimos anos, vem crescendo o número de startups com soluções específicas para área de gestão de pessoas, as chamadas HRTechs.

Assim como as fintechs surgiram para desburocratizar os serviços bancários, as HRTechs trazem a proposta de conectar as organizações às mudanças culturais e do futuro do trabalho. Segundo a consultoria CB Insights, as HRtechs captaram 7,3 bilhões de dólares em todo o mundo de 2012 a 2016. 

Mercado brasileiro das HRTechs 

O nicho das HRTechs já está estabelecido em outras partes do mundo; no Brasil, apresenta um crescimento expressivo nos últimos anos. Na primeira década dos anos 2000, o país tinha apenas duas empresas que podiam ser consideradas HRTechs. A partir de 2010, o Brasil começou a olhar com mais atenção para essas empresas.

Apenas em 2016 e 2017, porém, o mercado deslanchou e se instalou definitivamente por aqui: entre as categorias em que podemos dividir essas empresas, a principal é a das HRTechs de recrutamento e seleção, que corresponde a 70,9%. 

“Existe hoje uma grande preocupação vinculada à transformação geracional que demanda adaptações na proposta de valor e nas experiências que a companhia precisa entregar.

A tecnologia é uma delas”, diz Marcelo De Lucca, sócio de gestão de pessoas, performance e cultura da consultoria e auditoria KPMG, na qual 80% do quadro de funcionários tem até 36 anos. 

De olho nessa onda “jovem” das organizações, em que as relações de trabalho não são as mesmas de gerações anteriores, surgiram as HRTechs Revelo e TeamCulture.  A primeira tem como propósito conectar “os talentos únicos” com as empresas mais inovadoras.

Já a segunda trabalha com uma ferramenta que é uma espécie de pesquisa de clima semanal. Seu mantra é “questionar, agir e evoluir”. 

“O mercado de R&S no Brasil ainda está muito tradicional. A Revelo foi criada para injetar tecnologia nesse mercado para agilizar os processos de recrutamento. Apesar de ganhar mais e mais espaço, as HRTechs precisam ainda mostrar a capacidade de mudar esse mercado”, afirma Frédéric Monnier, diretor de sucesso do cliente da Revelo.

Nas palavras de Monnier, a HRTech é uma plataforma de recrutamento online que utiliza tecnologia e machine learning para selecionar os melhores talentos do mercado.

“Nós tiramos a dor da triagem das candidaturas desalinhadas com a vaga e deixamos os recrutadores focar os candidatos que realmente fazem sentido.”

Assim, salienta o executivo, os profissionais de R&S conseguem construir uma shortlist de candidatos em alguns minutos, o que deixa as empresas com mais tempo para avaliar o fit cultural deles. 

“A empresa inverteu a lógica do mercado de trabalho, de uma forma revolucionária. Não são os candidatos que se inscrevem para as vagas de emprego, mas sim ficam disponíveis para oportunidades em que há compatibilidade entre o perfil do profissional e o da empresa”, observa Monnier.

Nessa lógica, a vaga deixa de ser o destaque do processo de contratação e o profissional passa a ser o centro das atenções. 

Segundo dados fornecidos pela Revelo, em geral, a média do processo de R&S é de 52 dias. Já a startup garante isso em 14 dias. “Em casos de empresas de pequeno porte, é possível agilizar ainda mais esse processo. Temos casos em que vagas foram preenchidas em cinco horas”, afirma. 

Pesquisa de clima quase real time

Millennials WorkingO tempo também é elemento fundamental na TeamCulture, que trabalha com pesquisas de clima. Renan Barreto, product owner da startup, explica que o estudo de clima é conduzido semanalmente e de acordo com o perfil do colaborador.

“O funcionário recebe um lembrete automático por e-mail ou por outras plataformas – Slack, Hangout e SMS – para responder a pesquisa de clima semanal.” O colaborador precisa responder a cinco perguntas cujas respostas demoram em média um minuto. 

Todas as respostas são quantitativas em um ranking de 0 a 10. Barreto conta que cada pergunta tem uma referência direta a uma submétrica que afeta uma das dez métricas principais da TeamCulture. Por exemplo: uma das métricas do sistema é o feedback.

Para saber se a liderança ou os colegas estão exercendo essa habilidade de forma correta, a pesquisa vai direcionar uma pergunta sobre qualidade ou sobre a frequência, submétricas do feedback. 

“Utilizamos a inteligência artificial para decidir quais perguntas irão para cada colaborador. Hoje, temos um banco de 120 perguntas que fazem referência às 26 submétricas.

Elas são enviadas com base no nosso algoritmo, que seleciona as que ele ainda não respondeu ou estão mais tempo sem atualização”, esclarece. 

As duas ferramentas das HRTechs apresentadas são fruto dos novos tempos e das novas gerações. O artigo Reinventando a gestão de desempenho, de abril de 2015, publicado na Business Review Brasil, trouxe à baila a reinvenção de processos organizacionais, em especial, da avaliação de desempenho.

“Como várias outras empresas, percebemos que o processo atual para avaliar o trabalho de nosso pessoal – e depois treiná-lo, promovê-lo e remunerá-lo convenientemente – está cada vez mais defasado de nossos objetivos”, grifou uma das autoras do artigo, Ahley Goodall, à época diretora de desenvolvimento de liderança da Deloitte Service LP.

A então nova avaliação de desempenho da Deloitte, observando a necessidade de sua nova força de trabalho e também das relações de mercado, possuía quatro características principais: agilidade; velocidade; personalização; e constante aprendizagem. Características essas que precisam ser observadas em qualquer solução de RH hoje em dia. 

Prever o futuro. É possível? 

Close up of human hands using virtual panelImagine que uma tecnologia possa ao mesmo tempo prover indícios de doenças, analisar as causas de problemas de comunicação entre equipes e apontar comportamentos que aumentam a produtividade. Esses elementos preditivos poderiam auxiliar a área de gestão de pessoas a identificar os principais gaps dos índices humanos nas organizações, auxiliando no trabalho estratégico de RH. 

Bem, a tecnologia já existe. Trata-se do crachá sociométrico, que capta dados de conversas e comportamentos de colaboradores. O processo de coleta dessas informações é bem simples.

Os colaboradores passam a usar o crachá inteligente em todos os momentos do expediente de trabalho. Os dados consolidados das conversas entre os funcionários são coletados real time por meio de sensores e armazenados no software do objeto. 

Ao final do expediente, essas informações são disponibilizadas num servidor da organização. “Esses dados produzidos são de propriedade da empresa, eles não vão para a nuvem.

Os dados ficam seguros dentro de um servidor da própria companhia”, observa Fernando Amaral, diretor de tecnologia da Sherter IT. 

Depois de um tempo de coleta de informação, que não pode ser menor que uma semana, o sistema processa os dados e fornece uma análise com sugestões de ações que podem ser feitas para melhorar a performance da equipe. 

De certa maneira, o people analytics foi uma das tecnologias precursoras das análises preditivas na área de gestão de pessoas. Um exemplo dessa aplicação para o core business de uma empresa vem da rede McDonald’s.

Por meio do people analytics descobriram que o uso do boné pelos atendentes os afastava dos clientes. Quando o atendente abaixava a cabeça para efetuar o lançamento da compra a paleta do boné bloqueava o contato entre ele e o cliente.

Com os dados em mãos, a empresa bolou ações para evitar esse afastamento com o consumidor. Quem narra o case é Joel Dutra, coordenador do programa de estudos em gestão de pessoas na FIA. 

Na visão dele, a influência da tecnologia no dia a dia do RH é muito grande e implica uma nova postura da área. “O impacto do uso do people analytics exige que o RH lide melhor com números e conceitos de estatística, bem como assuma uma postura de contestação sobre as crenças estabelecidas pela organização”, destaca.

Como ocorreu no caso do McDonalds. Para Dutra, os principais desafios dessa tecnologia são o uso de técnica de mineração de dados e de aprimoramento de processos de trabalho.

Ele explica que a mineração de dados pode ser efetuada por aplicativos já existentes, mas demandam dos analistas conhecimento de matemática e de estatística para potencializar o uso dos aplicativos. 

Todos os ecossistemas de RH, afirma Dutra, são afetados por essa tecnologia. “Ela permite verificar possibilidades de racionalização de custos e de processos, práticas mais efetivas, políticas de gestão de pessoas mais alinhadas com as expectativas das pessoas e as necessidades da organização”, diz.

Portanto, sublinha o acadêmico, abrange: captação; desenvolvimento; remuneração; administração de pessoal; serviços médicos etc. 

Colaboração no ambiente de trabalho 

Sabe aquela história de “cada um no seu quadrado”? Pois é, essa frase não cabe mais dentro das organizações que estão no ritmo da transformação digital.

“Uma competência fundamental exigida em organizações que absorveram a tecnologia de inteligência artificial (judiciário e medicina desde 2013, sistema financeiro desde 2016 e em 2017 algumas indústrias) é a postura de colaboração e trabalho em conjunto”, analisa Dutra. 

“Essa postura acelera a chamada cultura de inovação, na qual novos processos internos serão criados”, observa Dias, da Propay. E, nesse sentido, acrescenta o executivo, a área de gestão de pessoas terá papel de destaque como acelerador do desenvolvimento dentro das organizações.

“O RH, em tempos exponenciais e na era do conhecimento, tem de se voltar ao ser humano renascentista. Amar o espírito da humanidade e dominar a revolução dos números”, resume o papel do RH na atualidade o professor Gil Giardelli. Na visão dele, o RH deixará para as máquinas os trabalhos repetitivos e assumirá o papel estrategista de olho na evolução dos negócios da empresa. 

Ministério da solidão 

Se de um lado temos uma vastidão de dados e tarefas trazidas com as novas tecnologias, de outro, vemos a vida sob o prisma da solidão.

São as contradições do mundo pós-normal. Para abater o pássaro da solidão em pleno voo, o Reino Unido criou um Ministério da Solidão. A ideia do Ministério é propor ações contra “a triste realidade da vida moderna”, destaca a primeira-ministra britânica, Theresa May. 

Mais de 9 milhões de pessoas dizem viver permanentemente ou frequentemente sozinhas no Reino Unido, em uma população de 65,6 milhões, de acordo com a Cruz Vermelha Britânica. A instituição descreve a solidão e isolamento como uma “epidemia oculta”, afetando pessoas de todas as idades e em todos os momentos de suas vidas. 

Essa dualidade entre tecnologia (muitas informações) e a solidão, falta de contato humano, pode também ser facilmente constatada numa breve análise das profissões do futuro.

No grupo A, constatamos profissões diretamente conectadas ao mundo das novas tecnologias: cientista de dados; piloto de drone; especulador de moedas digitais; artesão de impressora 3D; e até uma atividade que soa um pouco mórbida, mas que especialistas destacam como uma tendência, o gerente de contas digitais de falecidos.

Sim, o responsável por apagar os rastros digitais de pessoas que passaram por aqui e que seus parentes não gostariam de ter esses dados expostos. 

Já as profissões do grupo B de certa forma vão na direção contrária do grupo A. Elas conectam pessoas com a humanidade, com a natureza: o detox digital terapeuta (especialista em propor experiências não digitais, mais ligadas à natureza); o personal idoso (profissional contratado para caminhar e conversar com idosos); ou ainda do tutor de curiosidades (um consultor pessoal que ajuda a aguçar a curiosidade de alguém sobre coisas simples do dia a dia, fora do ambiente web). 

Lidar com essa dualidade no ambiente de trabalho também será tarefa do RH 4.0. Como destaca Gil Giardelli, nessa nova era não podemos ser ferramenteiros.

As ferramentas passam. “Precisamos de pensadores sobre essa mudança de Era! Pessoas que ressignifiquem um pensamento inovador na 4ª Revolução Industrial.

Que entendam que os velhos caminhos da liderança, gestão e inovação estão sendo totalmente repensados e redesenhados. Tempos exponenciais em que não podemos usar velhos mapas para descobrir novas terras”, finaliza.

Karin Hetschko / Revista Melhor Gestão de Pessoas / Edição outubro 2018

Topics: Desafios do RH